Um plano dos Estados Unidos para entregar ajuda humanitária a Gaza a partir de um porto flutuante no mar enfrenta imensos desafios de segurança, principalmente devido a possíveis ataques hostis e às multidões de civis desesperados na costa.
Espera-se que mais de 1 mil soldados americanos participem da operação, embora o Pentágono afirme que não haverá soldados em terra.
Para atingir esse objetivo, os EUA fizeram parceria com uma empresa privada pouco conhecida, a Fogbow, que é dirigida por ex-militares e funcionários dos serviços de informação.
A meta é entregar 2 milhões de refeições por dia a Gaza, onde as Nações Unidas alertaram que a fome é “quase inevitável”.
Entenda o que se sabe sobre este enorme desafio logístico.
De acordo com o Pentágono, o plano inclui dois componentes principais que precisam ser montados – uma grande doca flutuante feita de segmentos de aço e uma ponte e cais de duas pistas, com 548 metros de extensão.
A ponte será composta por peças de aço interconectadas de 12 metros unidas e fixadas à costa.
Os navios de carga deve entregar os suprimentos no cais e a ajuda será então descarregada em uma série de barcaças e navios menores – conhecidos como navios de apoio logístico (ou LSVs, na sigla em inglês) – e levada para um cais.
A partir daí, veículos levarão os suprimentos para a terra e para Gaza.
A ponte será montada no mar e “conduzida” para a praia, permitindo que as forças dos EUA evitem pisar em Gaza. Os EUA apoiam Israel e designaram o Hamas como organização terrorista.
Este projeto de construção anfíbia – oficialmente conhecido como Joint Logistics Over-the-Shore, ou JLOTS (algo como “logística conjunta além da costa”, em tradução livre) – já foi utilizado pelos militares dos EUA antes no Kuwait, Somália, Haiti e América Central para missões de socorro em catástrofes.
Versões anteriores foram usadas já na Segunda Guerra Mundial, após a invasão da Normandia no Dia D.
Ainda em julho do ano passado, o departamento de defesa utilizou equipamento semelhante durante um exercício em grande escala na Austrália.
“A preferência dos militares, claro, é ter um porto operacional. Isso torna tudo muito mais fácil”, disse Mark Cancian, coronel reformado do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA com experiência em planejamento de operações anfíbias, em entrevista à BBC.
“Mas isso nem sempre é possível, seja devido a uma situação de conflito ou numa missão humanitária em tempo de paz”, acrescentou. “É aí que entra o JLOTS.”
O que é a Fogbow e que papel a empresa terá?
A Fogbow é liderada por Sam Mundy, um ex-tenente-coronel do Corpo de Fuzileiros Navais que anteriormente comandou forças no Oriente Médio, e Mick Mulroy, um ex-oficial paramilitar da CIA e secretário adjunto de defesa para o Oriente Médio.
Os detalhes completos do que eles farão não foram divulgados. Mas uma pessoa familiarizada com o plano disse à BBC que a operação Fogbow – conhecida internamente como Plano Blue Beach – tem como objetivo principal organizar o deslocamento dos suprimentos depois que eles chegarem à costa de Gaza.
Os contêineres serão esvaziados e o conteúdo colocado em caminhões para ser levado a pontos de distribuição em Gaza, como parte de um plano aprovado pelos governos dos EUA e de Israel.
A BBC foi informada de que a Fogbow ainda está à procura de financiamento e informou vários governos europeus e do Oriente Médio sobre os planos.
A longo prazo, a Fogbow planeja criar uma fundação administrada por doadores para ajudar a canalizar ajuda para Gaza.
Como será tratada a questão da segurança?
Especialistas militares dizem que o sucesso do plano depende da segurança, tanto considerando a possibilidade de ataques hostis numa zona de combate ainda ativa, como levando em conta as grandes multidões de civis que se aglomeram em torno dos carregamentos de ajuda humanitária.
O contra-almirante aposentado Mark Montgomery, um veterano de 32 anos da Marinha dos EUA com experiência no fornecimento de ajuda humanitária, diz que a operação exige que um “casulo de segurança” seja estabelecido tanto na praia quanto nas águas rasas próximas.
“Não se pode permitir que civis entrem no cais”, afirma Montgomery.
“Eles podem ser pais procurando desesperadamente comida para seus filhos – ou podem estar tentando matar alguém. Isso interromperia as operações.”
Duas pessoas familiarizadas com o plano disseram à BBC que as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) administrarão a segurança “externa” para evitar que multidões de civis cheguem à praia e para tornar a área segura.
A distribuição será de responsabilidade de palestinos locais desarmados.
Espera-se que a Fogbow tenha apenas funções logísticas limitadas e não se envolva na distribuição dos suprimentos.
Embora o Pentágono tenha afirmado que nenhuma tropa dos EUA colocará os pés em Gaza, especialistas dizem que a realidade pode ser mais complicada.
“Pessoas terão que orientar sobre os ângulos exatos em que se deseja que as coisas fiquem, ou talvez a consistência certa de areia necessária, esse tipo de coisa”, diz Montgomery.
“Precisarão estar lá verificando as coisas e certificando-se de que estamos ancorando no local exato.”
Se essa pessoa na praia não for um militar dos EUA, será um empreiteiro experiente, provavelmente militar americano reformado, acrescentou Montgomery.
Que diferença essa ajuda fará?
De acordo com o departamento de defesa dos EUA, este porto temporário permitirá que 2 milhões de refeições por dia possam entrar em Gaza, muito mais do que é atualmente possível através da passagem de fronteira de Rafah com o Egito ou através de lançamentos aéreos.
No início desta semana, o porta-voz do Departamento de Estado americano, Matthew Miller, disse que a alternativa marítima está sendo explorada porque outras opções são insuficientes.
Mas ele disse que não há substituto para a assistência que chega em caminhões por terra, então os EUA continuarão a pressionar por isso.
A forma mais rápida e eficaz de levar ajuda a Gaza é por terra. Mas as agências humanitárias dizem que as restrições israelenses resultam em que apenas uma fração do que é necessário esteja atravessando a fronteira.
Organizações humanitárias e representantes dos EUA afirmam que o aumento dos envios por terra continua a ser a única opção viável para satisfazer a demanda enquanto o porto é instalado.
“Mesmo na melhor das hipóteses, [o porto] não estará lá por quase dois meses como um mecanismo de entrega eficaz”, diz Montgomery.
“Temos que levar isso em conta enquanto lidamos com os desafios humanitários nos próximos 45 dias.”
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